Revista Brasileira de Música – UFRJ – outubro de 2010.
Artigo: A Casa da Ópera de São Paulo no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão.
Autora: Claudia Polastre
Cláudia Aparecida Polastre é doutorada pela Universidade de São Paulo, onde defendeu sua tese em 2008 com o seguinte título: “A música na cidade de São Paulo, 1765-1822”, sob a orientação da Profª Dr. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. O artigo que estamos resenhando é parte dessa pesquisa que ela desenvolveu. Em sua pesquisa, Polastre também faz uma investigação sobre a música sacra do período em questão. Para isso ela faz um traçado histórico da música desde a época dos jesuítas a partir do séc. XVI. No capítulo três de sua tese ela aborda a Casa da Ópera em São Paulo, de onde ela escrevera este artigo. Claudia Aparecida Polastre também realizou um trabalho de pesquisa de mestrado em 1997, sob orientação do Prof. Dr. Régis Duprat, com o seguinte título: “A música sacra de Miguel Dutra (1810-1875)”.
No artigo publicado pela Revista Brasileira de Música, Cláudia Polastre faz uma investigação sobre a atividade musical da cidade de São Paulo entre os anos de 1765 a 1822 (Independência do Brasil), focando a Casa da Ópera, durante o governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, a qual irá estabelecer um novo local de práticas de sociabilidade para a comunidade local.
D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão (1722 —1798), o Morgado de Mateus (1765 – 1775) pertencia à melhor nobreza portuguesa, foi o quarto morgado de Mateus e o responsável por terminar o edifício mais emblemático de toda arquitetura solarenga portuguesa, o célebre palácio de Mateus. Em 1765 foi enviado pelo Marquês de Pombal para o Brasil para reorganizar a Capitania de São Paulo onde desenvolveu um trabalho absolutamente notável. Durante seus dez anos de governo (1765-1775), consolidou a autonomia da Capitania e fundou pelo menos vinte cidades, além de ajudar a estabelecer os limites geográficos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que mais tarde, em linhas gerais, resultaram nos limites dos atuais estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão regressou a Portugal em 1775 e voltou aos seus domínios de Mateus, perto de Vila Real.
Figura 1 – D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão
A autora dividiu o seu artigo em três tópicos:
1) Da Igreja ao Teatro;
2) A Casa da Ópera no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão;
3) A Ópera: sua música e seus operários.
No primeiro tópico, a autora introduz o assunto falando sobre a importância da criação da Casa da Ópera na cidade de São Paulo como fortalecedora das relações sociais da cidade, bem como facilitadora de eventos artísticos, que foram sendo apresentados à população.
Antes da construção desse espaço para apresentações artísticas, tudo era feito nas ruas, praças e igrejas, onde se realizavam as festas e todas as atividades culturais da cidade, integrando a população nestes espaços, sejam eles sagrados ou profanos.
A Vila de São Vicente tornou-se a Capital do território que se estendia desde o litoral sul até o sul do Rio de Janeiro. Então a Capitania de São Vicente foi dividia em duas partes: a Capitania do Rio de Janeiro, que englobava territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. Somente em 1709, a coroa portuguesa cria então a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, desmembrando-se da Capitania do Rio de Janeiro. Foi então que iniciou o período dos Governadores e Capitães-Generais, designação dada aos comandantes militares que eram incumbidos da administração de seus territórios. A administração realizada por Governadores e Capitães-Generais deu-se, em São Paulo, de 1710 a 1821. O governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão deu-se do ano de 1765 a 1775.
A Casa da Ópera foi construída a partir do ano de 1765 e tornou-se um novo espaço para a realização das atividades artísticas na cidade. Ela foi implementada pelo governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, a qual foi instalada “modestamente” no piso térreo do palácio do governo no Pátio do Colégio onde estava o antigo colégio dos jesuítas expulsos em 1759. O governador providenciou reformas adaptando o edifício e ampliando-o para se tornar o Palácio do Governo.
A Casa da Ópera existia também em outras cidades do Brasil Colonial, como Salvador, Rio de Janeiro, Belém e Minas Gerais.
Maria Alice Volpe, em seu artigo “Irmandades e Ritual em Minas Gerais durante o Período Colonial”, publicado na Revista Música, São Paulo, v. 8, n. 1/2, 1997, afirma que na Capitania das Minas Gerais “as atividades dos músicos estavam em grande parte conectadas à Igreja”, e continua: “Eventos seculares relacionados ao entretenimento privado, como saraus e bailes, certamente existiram, mas a documentação é praticamente inexistente.” No entanto, Bruno Kiefer (1977, p. 36) menciona o registro de Maria da Conceição de Rezende Fonseca: “Na Capital da Capitania – Vila Rica – existiu a Casa da Ópera, atual Teatro Municipal de Ouro Preto, construído em 1750, revelando sua atividade na época.” (FONSECA, 1971, p. 45) No artigo de Cristina Ávila, ela afirma que:
Por volta de 1770, o gosto pela atividade teatral, disseminado tanto nas camadas populares como na abastada classe de portugueses e comerciantes, leva o contratador de impostos João de Sousa Lisboa a criar a Casa da Ópera de Vila Rica. Além de construtor e proprietário, foi seu diretor por vários anos, assegurando a qualidade e variedade dos espetáculos. (ÁVILA, s. d.)
Na Bahia, Bruno Kiefer menciona documentos atestando encenação de óperas por volta do ano de 1760. Ópera como “Artaxerxes” e “Dido abandonada” foram lá executadas. (KIEFER, 1977, p. 20)
Regis Duprat, historiógrafo da música brasileira, em suas pesquisas revela um documento musical datado de 1759, de compositor anônimo, na Bahia. É uma obra profana com texto em português, chamada “Recitativo e Ária”, cujos versos recorrem à mitologia greco-romana. Isto atesta a atividade secular na Bahia do período colonial.
No Pará, Bruno Kiefer (1977, p. 26) menciona funcionar em Belém uma Casa da Ópera ou Teatro Cômico, em 1763 onde teriam sido apresentadas peças de Antônio José da Silva (o Judeu) e também de outros autores.
Outra referência da existência da Casa da Ópera foi em Recife, onde foi encenada uma comédia, intitulada “Amor mal correspondido” de Luís Alvares Pinto, em 1780, a qual foi repetida em virtude do sucesso alcançado.
Nas Casas da Ópera de todas essas cidades se realizavam peças teatrais, exibições musicais, cantigas, lundus e voltas, e danças, muitas vezes, mostrando as novas tendências que advinham de Portugal com a ópera italiana.
A autora ainda descreve um breve histórico do teatro no século XVIII, afirmando que as apresentações teatrais aconteciam dentro de igrejas e conventos, e que só mais tarde foram migradas para espaços, normalmente situados junto à palácios, como estratégia política do empreendimento.
Quanto à transformação ocorrida no colégio no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, esta foi severamente criticada pelo bispo de São Paulo, Frei Manuel da Ressurreição, em 1776, o qual alegou o “colégio arruinado e inabitável”, e ainda afirma que o seminário agora servia a “Casa da Ópera”. Na verdade, as salas também serviam de escolas criadas pelo governador, onde os alunos tinham aulas “de ler, escrever e contar”.
Claudia Polastre conclui esta introdução dizendo que os espetáculos culturais que ali ocorriam, servia de afirmação do poder local e uma visibilidade governamental, onde o governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão estabelece ações estratégicas para efetivar a afirmação da figura do governador, assim como a do rei.
No tópico seguinte, a autora descreve o governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão. Ela menciona que no discurso de posse do governador, este deixa claro que está afinado com as correntes do pensamento europeu, que viera restabelecer o “antigo esplendor” que a Capitania de São Paulo já tivera, sendo que isto significava aumentar a população, projetar a urbanização, incentivar a agricultura, fortalecer o equipamento militar e fomentar a economia.
Claudia Polastre aponta algumas características do governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, como: laços de convívio social com o clero local, estabelecendo uma rotina de peregrinação; a disciplina e o autoritarismo existentes na sua acentuada formação militar; promoveu uma aproximação entre os espaços profanos e sagrados de sociabilidade; frequentes convites aos religiosos para frequentarem a Casa da Ópera, visando uma integração social de ambas as partes.
A autora termina este tópico afirmando que com a integração da população em espaços profanos e sagrados, afetou-se o gosto estético dos ouvintes. Isto se refletiu na música onde os mesmos elementos eram utilizados tanto na música sacra quanto na música profana. Os mesmos músicos que tocavam na igreja também tocavam na ópera, e a autora comprova isto citando diversos documentos da época que confirmam tal integração.
No último tópico, a autora se atém à Ópera, sua música e seus operários. Ela afirma que antes do governador ir para a Capitania de São Paulo, primeiramente, esteve no Rio de Janeiro no ano de 1765, tendo presenciado espetáculos de óperas, sendo que algumas delas eram exibidas também em Portugal. Por exemplo: “Precipício de Faetonte”, de Antônio José da Silva (o Judeu), “Dido abandonada”, “Sírio reconhecido”, “Alexandre na Índia”, “Adriano na Síria”.
A maioria destas óperas tem como libretista Metastasio (1698-1782). A predominância de compositores italianos durou toda a segunda metade do século XVIII, como por exemplo, o compositor David Perez, e muitas dessas óperas foram exibidas em Lisboa, desde o ano de 1736, tornando-se obras do gosto do público europeu e português, e que também foram executadas aqui no Brasil.
Quando D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão chegou em São Paulo, encontrou uma capitania pouco desenvolvida culturalmente, bem diferente do Rio de Janeiro, por isso ele instalou a Casa da Ópera como estratégia para auxiliar tal desenvolvimento.
O Rio de Janeiro teve esse desenvolvimento cultural principalmente com a chegada da família real em 1808. O Rio de Janeiro se tornou o “centro de irradiação do pensamento, da atividade mental do país”. (CASTELLO, 1967, p. 226)
Em 1813, fechado o teatro de Manuel Luís Ferreira, inaugurou-se o Real Teatro São João, o maior das Américas, construído por iniciativa particular e com aprovação régia. A Estreia deu-se com a peça O Juramento dos Nunes, com música incidental de Bernardo José de Souza e Queirós. Só no ano seguinte haveria de ser montada a primeira ópera. (KIEFER, 1977, p. 47)
“Não há registro de óperas compostas no Brasil no século XVIII”. Esta é uma citação direta da autora. No entanto, no livro de Bruno Kiefer, ele afirma que no governo do vice-rei Luís de Vasconcelos (1779-1790), verificaram-se as primeiras tentativas na criação de óperas com textos em português. Ele cita uma ópera cantada em vernáculo, ou seja, na língua local (portuguesa), a “L’Italiana in Londra” de Cimarosa, um compositor italiano de renome. Mas realmente não houve tentativas na criação de óperas nacionais. (KIEFER, 1977, p. 45) A primeira ópera genuinamente brasileira, com texto em português, foi “A Noite de São João”, de Elias Álvares Lobo, composta em 1859.
Muitas óperas apresentadas aqui no Brasil eram adaptadas de acordo com os recursos disponíveis no local, bem como os músicos e cantores que executariam a peça.
Percebe-se que a frequência com que o público assistia à ópera, demandou certas providências do governador, como buscar novas partituras no Rio de Janeiro para atender à demanda local. Com isso os gastos da Casa da Ópera aumentaram e o governador teve a ideia de criar assinaturas para os camarotes da Casa da Ópera na cidade de São Paulo (que eram adquiridas pelas pessoas mais abastadas da cidade), como saída para honrar o pagamento aos operários que trabalhavam ali.
Com isso, a Casa da Ópera assumiu uma rotina anual de apresentar 30 óperas, sendo obrigatoriamente, oito novas. O governador designou um diretor para a Casa da Ópera, José Gomes Pinto de Moraes, para que este fiscalizasse as montagens das óperas, garantindo que estas ficassem prontas para apreciação do público.
A prática de assinaturas de camarotes na Casa da Ópera resolveu o seu problema financeiro em pagar seus operários. Este tipo de prática já era realizado em outras cidades como o Rio de Janeiro e Salvador, e também era normal em muitas cidades europeias.
Os documentos de época mencionam “operários” da Casa da Ópera, como sendo as pessoas que lá trabalham, ou seja, também músicos e cantores. Alguns operários eram provenientes de vilas vizinhas para realizar certas festividades locais. Quanto ao mestre de ópera, são raros os documentos que o menciona. Em muitas festas, a milícia estava envolvida com a organização das mesmas, embora seja incerta a sua real função: manter a ordem no local? Recrutar artistas? Em muitos documentos se menciona sargentos e soldados participando das óperas, tanto a produção quanto a execução.
A autora nos fala sobre um importante documento que relata com muitos detalhes, uma festa de 1770 para a mudança do altar de Sant’Ana, onde num palco montado na igreja do colégio, dividiam-se os músicos em dois grupos, um de música sacra e outro de música profana, os quais iam se alternando e compartilhando o mesmo palco, reafirmando a integração entre o sacro e profano defendida pela autora no início desse artigo. Óperas foram apresentadas nessa festa: “Mais vale amor que um reino” e “Coriolano em Roma”, de Antonio Caldara.
Em algumas encenações de ópera, utilizavam-se homens para interpretar personagens femininos, os quais cantavam em falsete a parte do contralto ou soprano.
Claudia Polastre ainda menciona documentos que afirmam a realização de espetáculos de óperas em comemorações da família real e também em comemoração de eventos bélicos.
Toda essa atividade operística na cidade de São Paulo é encontrada até o ano de 1811. Entre 1811 e 1821 nada consta nas Atas e nos Registros da Câmara realizações desse tipo de atividade na cidade de São Paulo. Sabe-se que nesse período o teatro tinha se tornado privado, e que num documento de 1821, o governador Oeynhausen revela a preocupação em preservar o teatro, propondo uma comissão para sua melhoria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Cristina. A vida social e a Casa da Ópera em Vila Rica. Disponível em: http://www.cidadeshistoricas.art.br/hac/hist_04_p.php. Acesso em: 27/11/2011.
CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações Literárias da Era Colonial. São Paulo: Cultrix, 1967.
FONSECA, Maria da Conceição Rezende. A atividade musical do Século XVIII na Capitania Geral das Minas Gerais. Boletim da Biblioteca Pública de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1971, n. 2, p. 45.
KIEFER, Bruno. História da Música Brasileira. Porto Alegre: Movimento, 1977.
Revista Música São Paulo, vol. 8 – n. 1/2 – maio/novembro 1997.