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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Resenha do Artigo de Claudia Polastre

Revista Brasileira de Música – UFRJ – outubro de 2010.
Artigo: A Casa da Ópera de São Paulo no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão.
Autora: Claudia Polastre


Cláudia Aparecida Polastre é doutorada pela Universidade de São Paulo, onde defendeu sua tese em 2008 com o seguinte título: “A música na cidade de São Paulo, 1765-1822”, sob a orientação da Profª Dr. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. O artigo que estamos resenhando é parte dessa pesquisa que ela desenvolveu. Em sua pesquisa, Polastre também faz uma investigação sobre a música sacra do período em questão. Para isso ela faz um traçado histórico da música desde a época dos jesuítas a partir do séc. XVI. No capítulo três de sua tese ela aborda a Casa da Ópera em São Paulo, de onde ela escrevera este artigo. Claudia Aparecida Polastre também realizou um trabalho de pesquisa de mestrado em 1997, sob orientação do Prof. Dr. Régis Duprat, com o seguinte título: “A música sacra de Miguel Dutra (1810-1875)”.
            No artigo publicado pela Revista Brasileira de Música, Cláudia Polastre faz uma investigação sobre a atividade musical da cidade de São Paulo entre os anos de 1765 a 1822 (Independência do Brasil), focando a Casa da Ópera, durante o governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, a qual irá estabelecer um novo local de práticas de sociabilidade para a comunidade local.
D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão (1722 —1798), o Morgado de Mateus (1765 – 1775) pertencia à melhor nobreza portuguesa, foi o quarto morgado de Mateus e o responsável por terminar o edifício mais emblemático de toda arquitetura solarenga portuguesa, o célebre palácio de Mateus. Em 1765 foi enviado pelo Marquês de Pombal para o Brasil para reorganizar a Capitania de São Paulo onde desenvolveu um trabalho absolutamente notável. Durante seus dez anos de governo (1765-1775), consolidou a autonomia da Capitania e fundou pelo menos vinte cidades, além de ajudar a estabelecer os limites geográficos das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que mais tarde, em linhas gerais, resultaram nos limites dos atuais estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão regressou a Portugal em 1775 e voltou aos seus domínios de Mateus, perto de Vila Real.

  

Figura 1 – D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão

A autora dividiu o seu artigo em três tópicos:
1)    Da Igreja ao Teatro;
2)    A Casa da Ópera no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão;
3)    A Ópera: sua música e seus operários.
No primeiro tópico, a autora introduz o assunto falando sobre a importância da criação da Casa da Ópera na cidade de São Paulo como fortalecedora das relações sociais da cidade, bem como facilitadora de eventos artísticos, que foram sendo apresentados à população.
Antes da construção desse espaço para apresentações artísticas, tudo era feito nas ruas, praças e igrejas, onde se realizavam as festas e todas as atividades culturais da cidade, integrando a população nestes espaços, sejam eles sagrados ou profanos.

A Vila de São Vicente tornou-se a Capital do território que se estendia desde o litoral sul até o sul do Rio de Janeiro. Então a Capitania de São Vicente foi dividia em duas partes: a Capitania do Rio de Janeiro, que englobava territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. Somente em 1709, a coroa portuguesa cria então a Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, desmembrando-se da Capitania do Rio de Janeiro. Foi então que iniciou o período dos Governadores e Capitães-Generais, designação dada aos comandantes militares que eram incumbidos da administração de seus territórios. A administração realizada por Governadores e Capitães-Generais deu-se, em São Paulo, de 1710 a 1821. O governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão deu-se do ano de 1765 a 1775.
A Casa da Ópera foi construída a partir do ano de 1765 e tornou-se um novo espaço para a realização das atividades artísticas na cidade. Ela foi implementada pelo governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, a qual foi instalada “modestamente” no piso térreo do palácio do governo no Pátio do Colégio onde estava o antigo colégio dos jesuítas expulsos em 1759. O governador providenciou reformas adaptando o edifício e ampliando-o para se tornar o Palácio do Governo.
A Casa da Ópera existia também em outras cidades do Brasil Colonial, como Salvador, Rio de Janeiro, Belém e Minas Gerais.
Maria Alice Volpe, em seu artigo “Irmandades e Ritual em Minas Gerais durante o Período Colonial”, publicado na Revista Música, São Paulo, v. 8, n. 1/2, 1997, afirma que na Capitania das Minas Gerais “as atividades dos músicos estavam em grande parte conectadas à Igreja”, e continua: “Eventos seculares relacionados ao entretenimento privado, como saraus e bailes, certamente existiram, mas a documentação é praticamente inexistente.” No entanto, Bruno Kiefer (1977, p. 36) menciona o registro de Maria da Conceição de Rezende Fonseca: “Na Capital da Capitania – Vila Rica – existiu a Casa da Ópera, atual Teatro Municipal de Ouro Preto, construído em 1750, revelando sua atividade na época.” (FONSECA, 1971, p. 45) No artigo de Cristina Ávila, ela afirma que:
Por volta de 1770, o gosto pela atividade teatral, disseminado tanto nas camadas populares como na abastada classe de portugueses e comerciantes, leva o contratador de impostos João de Sousa Lisboa a criar a Casa da Ópera de Vila Rica. Além de construtor e proprietário, foi seu diretor por vários anos, assegurando a qualidade e variedade dos espetáculos. (ÁVILA, s. d.)
Na Bahia, Bruno Kiefer menciona documentos atestando encenação de óperas por volta do ano de 1760. Ópera como “Artaxerxes” e “Dido abandonada” foram lá executadas. (KIEFER, 1977, p. 20)
Regis Duprat, historiógrafo da música brasileira, em suas pesquisas revela um documento musical datado de 1759, de compositor anônimo, na Bahia. É uma obra profana com texto em português, chamada “Recitativo e Ária”, cujos versos recorrem à mitologia greco-romana. Isto atesta a atividade secular na Bahia do período colonial.
No Pará, Bruno Kiefer (1977, p. 26) menciona funcionar em Belém uma Casa da Ópera ou Teatro Cômico, em 1763 onde teriam sido apresentadas peças de Antônio José da Silva (o Judeu) e também de outros autores.
Outra referência da existência da Casa da Ópera foi em Recife, onde foi encenada uma comédia, intitulada “Amor mal correspondido” de Luís Alvares Pinto, em 1780, a qual foi repetida em virtude do sucesso alcançado.
Nas Casas da Ópera de todas essas cidades se realizavam peças teatrais, exibições musicais, cantigas, lundus e voltas, e danças, muitas vezes, mostrando as novas tendências que advinham de Portugal com a ópera italiana.
A autora ainda descreve um breve histórico do teatro no século XVIII, afirmando que as apresentações teatrais aconteciam dentro de igrejas e conventos, e que só mais tarde foram migradas para espaços, normalmente situados junto à palácios, como estratégia política do empreendimento.
Quanto à transformação ocorrida no colégio no governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, esta foi severamente criticada pelo bispo de São Paulo, Frei Manuel da Ressurreição, em 1776, o qual alegou o “colégio arruinado e inabitável”, e ainda afirma que o seminário agora servia a “Casa da Ópera”. Na verdade, as salas também serviam de escolas criadas pelo governador, onde os alunos tinham aulas “de ler, escrever e contar”.
Claudia Polastre conclui esta introdução dizendo que os espetáculos culturais que ali ocorriam, servia de afirmação do poder local e uma visibilidade governamental, onde o governador D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão estabelece ações estratégicas para efetivar a afirmação da figura do governador, assim como a do rei.
No tópico seguinte, a autora descreve o governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão. Ela menciona que no discurso de posse do governador, este deixa claro que está afinado com as correntes do pensamento europeu, que viera restabelecer o “antigo esplendor” que a Capitania de São Paulo já tivera, sendo que isto significava aumentar a população, projetar a urbanização, incentivar a agricultura, fortalecer o equipamento militar e fomentar a economia.
Claudia Polastre aponta algumas características do governo de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, como: laços de convívio social com o clero local, estabelecendo uma rotina de peregrinação; a disciplina e o autoritarismo existentes na sua acentuada formação militar; promoveu uma aproximação entre os espaços profanos e sagrados de sociabilidade; frequentes convites aos religiosos para frequentarem a Casa da Ópera, visando uma integração social de ambas as partes.
A autora termina este tópico afirmando que com a integração da população em espaços profanos e sagrados, afetou-se o gosto estético dos ouvintes. Isto se refletiu na música onde os mesmos elementos eram utilizados tanto na música sacra quanto na música profana. Os mesmos músicos que tocavam na igreja também tocavam na ópera, e a autora comprova isto citando diversos documentos da época que confirmam tal integração.
No último tópico, a autora se atém à Ópera, sua música e seus operários. Ela afirma que antes do governador ir para a Capitania de São Paulo, primeiramente, esteve no Rio de Janeiro no ano de 1765, tendo presenciado espetáculos de óperas, sendo que algumas delas eram exibidas também em Portugal. Por exemplo: “Precipício de Faetonte”, de Antônio José da Silva (o Judeu), “Dido abandonada”, “Sírio reconhecido”, “Alexandre na Índia”, “Adriano na Síria”.
A maioria destas óperas tem como libretista Metastasio (1698-1782). A predominância de compositores italianos durou toda a segunda metade do século XVIII, como por exemplo, o compositor David Perez, e muitas dessas óperas foram exibidas em Lisboa, desde o ano de 1736, tornando-se obras do gosto do público europeu e português, e que também foram executadas aqui no Brasil.
Quando D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão chegou em São Paulo, encontrou uma capitania pouco desenvolvida culturalmente, bem diferente do Rio de Janeiro, por isso ele instalou a Casa da Ópera como estratégia para auxiliar tal desenvolvimento.
O Rio de Janeiro teve esse desenvolvimento cultural principalmente com a chegada da família real em 1808. O Rio de Janeiro se tornou o “centro de irradiação do pensamento, da atividade mental do país”. (CASTELLO, 1967, p. 226)
Em 1813, fechado o teatro de Manuel Luís Ferreira, inaugurou-se o Real Teatro São João, o maior das Américas, construído por iniciativa particular e com aprovação régia. A Estreia deu-se com a peça O Juramento dos Nunes, com música incidental de Bernardo José de Souza e Queirós. Só no ano seguinte haveria de ser montada a primeira ópera. (KIEFER, 1977, p. 47)

“Não há registro de óperas compostas no Brasil no século XVIII”. Esta é uma citação direta da autora. No entanto, no livro de Bruno Kiefer, ele afirma que no governo do vice-rei Luís de Vasconcelos (1779-1790), verificaram-se as primeiras tentativas na criação de óperas com textos em português. Ele cita uma ópera cantada em vernáculo, ou seja, na língua local (portuguesa), a “L’Italiana in Londra” de Cimarosa, um compositor italiano de renome. Mas realmente não houve tentativas na criação de óperas nacionais. (KIEFER, 1977, p. 45) A primeira ópera genuinamente brasileira, com texto em português, foi “A Noite de São João”, de Elias Álvares Lobo, composta em 1859.
Muitas óperas apresentadas aqui no Brasil eram adaptadas de acordo com os recursos disponíveis no local, bem como os músicos e cantores que executariam a peça.
Percebe-se que a frequência com que o público assistia à ópera, demandou certas providências do governador, como buscar novas partituras no Rio de Janeiro para atender à demanda local. Com isso os gastos da Casa da Ópera aumentaram e o governador teve a ideia de criar assinaturas para os camarotes da Casa da Ópera na cidade de São Paulo (que eram adquiridas pelas pessoas mais abastadas da cidade), como saída para honrar o pagamento aos operários que trabalhavam ali.
Com isso, a Casa da Ópera assumiu uma rotina anual de apresentar 30 óperas, sendo obrigatoriamente, oito novas. O governador designou um diretor para a Casa da Ópera, José Gomes Pinto de Moraes, para que este fiscalizasse as montagens das óperas, garantindo que estas ficassem prontas para apreciação do público.
A prática de assinaturas de camarotes na Casa da Ópera resolveu o seu problema financeiro em pagar seus operários. Este tipo de prática já era realizado em outras cidades como o Rio de Janeiro e Salvador, e também era normal em muitas cidades europeias.
Os documentos de época mencionam “operários” da Casa da Ópera, como sendo as pessoas que lá trabalham, ou seja, também músicos e cantores. Alguns operários eram provenientes de vilas vizinhas para realizar certas festividades locais. Quanto ao mestre de ópera, são raros os documentos que o menciona. Em muitas festas, a milícia estava envolvida com a organização das mesmas, embora seja incerta a sua real função: manter a ordem no local? Recrutar artistas? Em muitos documentos se menciona sargentos e soldados participando das óperas, tanto a produção quanto a execução.
A autora nos fala sobre um importante documento que relata com muitos detalhes, uma festa de 1770 para a mudança do altar de Sant’Ana, onde num palco montado na igreja do colégio, dividiam-se os músicos em dois grupos, um de música sacra e outro de música profana, os quais iam se alternando e compartilhando o mesmo palco, reafirmando a integração entre o sacro e profano defendida pela autora no início desse artigo. Óperas foram apresentadas nessa festa: “Mais vale amor que um reino” e “Coriolano em Roma”, de Antonio Caldara.
Em algumas encenações de ópera, utilizavam-se homens para interpretar personagens femininos, os quais cantavam em falsete a parte do contralto ou soprano.
Claudia Polastre ainda menciona documentos que afirmam a realização de espetáculos de óperas em comemorações da família real e também em comemoração de eventos bélicos.
Toda essa atividade operística na cidade de São Paulo é encontrada até o ano de 1811. Entre 1811 e 1821 nada consta nas Atas e nos Registros da Câmara realizações desse tipo de atividade na cidade de São Paulo. Sabe-se que nesse período o teatro tinha se tornado privado, e que num documento de 1821, o governador Oeynhausen revela a preocupação em preservar o teatro, propondo uma comissão para sua melhoria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ÁVILA, Cristina. A vida social e a Casa da Ópera em Vila Rica. Disponível em: http://www.cidadeshistoricas.art.br/hac/hist_04_p.php. Acesso em: 27/11/2011.
CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações Literárias da Era Colonial. São Paulo: Cultrix, 1967.
FONSECA, Maria da Conceição Rezende. A atividade musical do Século XVIII na Capitania Geral das Minas Gerais. Boletim da Biblioteca Pública de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1971, n. 2, p. 45.
KIEFER, Bruno. História da Música Brasileira. Porto Alegre: Movimento, 1977.
Revista Música São Paulo, vol. 8 – n. 1/2 – maio/novembro 1997.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Heitor Villa-Lobos: Ave Maria a 6 vozes

A MÚSICA SACRA EM VILLA-LOBOS:
50 ANOS DE SAUDADE 

PROFª MS. SHEILA PREVIATO DE ALENCAR
Professora da Escola de Artes Maestro Fêgo Camargo - Taubaté/SP

RESUMO: O presente texto apresenta uma rápida trajetória da música sacra do compositor Heitor Villa-Lobos, enfocando uma obra em especial, a Ave Maria a 6 vozes, para coro a cappella, escrita em 1948. Apresenta uma breve contextualização sobre a obra e sua análise musical, buscando traços composicionais estilísticos, específicos de sua música sacra. 
PALAVRAS-CHAVE: Heitor Villa-Lobos; Música Sacra; Coral.
ABSTRACT: The present text presents a fast trajectory of sacred music of the composer Heitor Villa-Lobos, focusing a workmanship in special, the Ave Maria a 6 voices, for choir cappella, written in 1948. It presents one brief context on the workmanship and its musical analysis, searching style composition traces, specific of yours sacred music.
  
KEYWORDS: Heitor Villa-Lobos, Sacred Music, Chorale.

 

[A música] é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor. A música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, seus pais. A música é a alegria daqueles que são alegres.
Heitor Villa-Lobos. [1]

      Heitor Villa-Lobos, um dos maiores compositores do século XX, escreveu obras instrumentais e vocais, compondo desde duetos, trios ou quartetos, até sinfonias e óperas.  No âmbito da música sacra, compôs diversas obras, como missas e motetos, para coro a cappella, coro e orquestra, e solo. Sua obra sacra, assim como todas as outras, “espelha as várias fases criativas, suas tendências estilísticas, suas técnicas variadas, sua tomada de posição nativista e nacionalista”. [2]
Em toda a trajetória artística de Heitor Villa-Lobos, muitos foram os autores que se preocuparam em classificar fases estilísticas em sua produção musical. Todas essas classificações refletem seu espírito inquieto, inovador, múltiplo, nacional, irreverente, maduro e tantos outros. Sua produção musical, desde as primeiras obras do início do século XX, reflete todas as faces de seu temperamento criador, suas idéias, sua sentimentalidade, técnica e religiosidade, seu panteísmo. Enfim, todos os aspectos frequentemente descritos de sua personalidade, sem abandoná-los no decorrer de sua caminhada artística. No entanto, grande é a dificuldade de classificar momentos precisos e distintos, já que esses parecem não existir na verdade como tal, “pois sua produção não apenas é quantitativamente gigantesca, mas também qualitativa e estilisticamente muito variável”. [3]
É sobejamente conhecido o conjunto das fontes musicais a que Villa-Lobos teve acesso durante sua vida. Da formação em casa, passando pelos grupos dos chorões, suas viagens ao interior do Brasil, seu contato com o grande repertório internacional, tudo, sempre, é descrito como seu conjunto de influências composicional, e facilmente verificável no contato direto com as obras.
Heitor Villa-Lobos, em toda a sua trajetória musical, sempre compôs música sacra. Isto pode ser comprovado se observarmos as datas de tais composições, que vão desde 1905, com O Salutaris, até o ano de 1958, onde encontramos duas de suas obras de maior fôlego: Bendita Sabedoria e Magnificat Aleluia. No início de sua carreira como compositor musical, prestava favores a um amigo sacerdote, arranjando melodias para coro, em troca de algum dinheiro. [4] A música sacra também esteve presente num dos piores momentos de sua vida, quando descobre que estava gravemente enfermo, em 1948, e compõe a Ave Maria a 6 vozes, antes da intervenção cirúrgica, no Memorial Hospital, em Nova York, nos Estados Unidos da América.
Contudo, o estilo composicional das obras sacras de Villa-Lobos, assim como muitas de suas composições, afrontou “os pudicos ouvidos de um público que até então nem havia aceitado Debussy, nem mesmo Wagner.” [5] Villa-Lobos soube combinar técnica e sentimentalidade em suas obras sacras. “A inata propensão ao misticismo da sua sensibilidade pôde desenvolver-se no plano religioso desde a juventude, paralelamente com o tom panteísta que vibra em suas obras inspiradas na paisagem do Brasil, sua constante inspiração.” [6]
Villa-Lobos compôs duas missas: a) Vidapura (1919), que ele chama de missa-oratório, mas, na verdade, possui todas as partes da missa. Possui duas versões: a primeira para solo, coro misto e orquestra e a segunda para coro misto a quatro vozes e órgão. [7]; b) Missa São Sebastião (1937), para coro a três vozes iguais, por muitos considerada a mais adequada aos padrões impostos pelas normas da música sacra. “Obra de maturidade [...], se impõe por sua interessante escrita contrapontística e pela nobreza da inspiração, que não alheia às modalidades ameríndias, sem uso direto de motivos do folclore.” [8]

A partir da década de 30, Villa-Lobos esteve envolvido com o projeto educacional do canto orfeônico nas escolas primárias e normais. Este projeto também previa a formação de um grupo de professores especializados em canto orfeônico, para ministrar as aulas desta disciplina nas escolas, além de promover concertos didáticos, nos quais puderam executar obras como: Missa Papae Marcelli (Giovanni Pierluigi da Palestrina), Missa Solemnis (Ludwig van Beethoven), Missa em Si menor (Johann Sebastian Bach) e Vidapura (Heitor Villa-Lobos), sempre visando à educação coletiva, para apreciação e amor à arte. Oscar Guanabarino elogiou Villa-Lobos neste período, dizendo ter-se “aconchegado aos grandes mestres clássicos, repudiados por ele, antigamente”. [9]
Em 1952 surge a Sinfonia nº 10, na qual Villa-Lobos utiliza os versos do poema De Beata Virgine, de Padre José de Anchieta. Esta sinfonia foi subintitulada de Sumé Pater Patrium. Nesta obra, Villa-Lobos utiliza-se não só da língua latina, mas também incorpora nesta obra as línguas tupi-guarani e portuguesa. Neste mesmo ano, Villa-Lobos também compõe um moteto, utilizando versos deste mesmo poema de José de Anchieta: o Praesepe (Presépio).
E, finalmente, em 1958, como mencionado anteriormente, duas grandes obras religiosas: a) Bendita Sabedoria, composta por seis corais para coro misto a seis vozes a cappella, sobre textos bíblicos dos Provérbios e um Salmo; b) Magnificat-Aleluia, que Villa-Lobos escreveu a pedido da Associação Italiana de Santa Cecília, para uma homenagem ao Papa Pio XII, por intermédio do Cardeal Giúlio Montini (Papa Paulo VI), composta para coro e órgão ou orquestra, solo e coro misto, contendo uma escrita “à maneira das grandes obras do barroco, no qual as vozes do coro se intercalam entre os versículos do Magnificat com as exclamações de Aleluia” [10]


Análise Musical 
      Analisando um de seus motetos, podemos averiguar alguns traços estilísticos em suas composições sacras. Escolhemos a Ave Maria a 6 vozes, composta em 1948. Este momento foi um dos mais difíceis em sua vida, quando ocorreu a primeira crise de saúde, constatando-se a gravidade de sua doença, a qual o levou à morte em 1959. A composição desta Ave Maria, feita no Memorial Hospital, em Nova Iorque, foi motivo de preocupação a todos que estavam ali, apreensivos com a cirurgia que deveria ser realizada, como conta sua esposa Arminda Villa-Lobos, em um de seus depoimentos: “Segóvia, o grande artista e excelente amigo, visitando-o, abalou-se com o fato, porque o compositor mexicano Manuel Ponce, às vésperas de morrer, havia composto uma Ave Maria”. [11]
Heitor Villa-Lobos compôs muitas Ave-Marias para canto e coro desde sua juventude até sua idade madura. Esta Ave Maria a 6 vozes (SSATBB a cappella) foi composta em sua fase madura, a qual faz parte do volume “Música Sacra”, editado pela Irmãos Vitale em 1952. Também foi editada pela Cantus Quercus Press, no ano de 2000, em edição de Wilbur Skeels. Esta obra tornou-se muito conhecida devido ao contexto em que foi composta.
A oração da Ave Maria é uma saudação à Virgem, que pode ser repetida muitas vezes ao dia pelos devotos da Igreja. É a mais familiar de todas as orações usadas pela Igreja Católica, mundialmente em honra à Nossa Senhora. Seu texto é composto por três partes distintas. São elas:
1.          Saudação do anjo Gabriel dirigida à Maria, anunciando-lhe a sua concepção: “Alegra-te, cheia de graça. O Senhor está contigo!”. Encontraremos esta parte da oração na Bíblia, no evangelho de Lucas 1:28. [12]
2.          Saudação que Isabel fez à Maria, sua prima, quando esta vai visitá-la na casa de Zacarias: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”. Lucas 1:42. [13]
3.          Súplica ou prece adicionada posteriormente pela Igreja: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.” Foi estabelecida definitivamente pela Igreja em 1568, pelo Papa Pio V.  
O uso litúrgico da Ave-Maria, constando dessas duas saudações reunidas, é constatado no Oriente a partir do século quarto ou quinto, nas liturgias orientais, e, no Ocidente, desde o século sexto. Mas, segundo os documentos que possuímos até hoje, parece que essa oração só passou para o uso extralitúrgico, depois do século XI, quando começou a se difundir a devoção de utilizá-la como forma de oração pessoal. [14]

 Texto Original em Latim
Tradução para o português
           Ave Maria, gratia plena:
Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus,Et benedictus fructus ventris tui, Jesus. 
Sancta Maria, Mater Dei,Ora pro nobis peccatoribus,Nunc et in hora mortis nostrae.
            Amen.

Ave Maria, cheia de graça,
o Senhor é convosco, bendita sois Vós entre as mulheres, bendito é o fruto em Vosso ventre, Jesus.
Santa Maria Mãe de Deus,rogai por nós os pecadores,agora e na hora da nossa morte.
Amém.
A Ave-Maria é encontrada no Liber Antiphonarius de São Gregório, o Grande (morto em 604), como uma antífona para o Quarto Domingo do Advento. É também cantada nas festas da Anunciação (25 de março), e da Imaculada Conceição (8 de dezembro). Na festa da Anunciação, há registro de que seja cantada desde o século VIII como antífona de ofertório. A oração faz parte, ainda, das Vésperas da festa do Santíssimo Rosário e da Santa Virgem Maria, quando é cantada como terceira antífona, com o Salmo 121 (122), Leatatus sum. Durante o ano, é cantada em outras Missas pela Virgem Maria. [15]


Esta Ave-Maria foi escrita para seis vozes: sopranos, mezzo sopranos, contraltos, tenores, barítonos e baixos, sendo suas tessituras:

Figura 1: Tessitura das vozes.


               Foi estruturada em duas grandes seções com uma coda final, sendo, pois,  sua Forma Binária (AB) com a Coda (Amen) nos últimos sete compassos. Para melhor visualização, podemos traçar um gráfico das seções desta obra da seguinte maneira:


Figura 2: Esquema Formal.

a.           Seção A: Adagio - compassos de 1 a 15 (total de 15 compassos) ;
b.          Seção B: Più mosso - compassos de 16 a 23 (total de 8 compassos);
c.           Coda: Animato - compassos de 24 a 30 (total de 7 compassos).
Uma característica da obra é sua divisão em blocos: bloco de vozes femininas (soprano, mezzo soprano, contralto) e bloco de vozes masculinas (tenor, barítono, baixo). Esses blocos estão presentes nas seções A e B, sendo distintos o ritmo e o tratamento harmônico entre eles. A construção de tais blocos parece buscar um pensamento de naipe orquestral: um resultado ao mesmo tempo estrutural, timbrístico e textual, como uma orquestração costuma buscar.
O contraste entre as texturas homofônica e polifônica é claro em toda a obra, além de construir um ambiente timbrístico variado, produzindo efeitos sonoros significativos ao misturar blocos harmônicos a frases construídas em estilo imitativo.
Podemos observar, em toda a obra, certa densidade rítmica, definida horizontalmente pelas necessidades de mudanças de compasso e, verticalmente, pelas mudanças rítmicas que garantem a percepção da polifonia, especialmente se considerarmos que se trata de uma composição coral sacra. De fato, o que há é um aumento progressivo da densidade verticalmente pensada durante o decorrer da obra, especialmente. 
SEÇÃO A (Compassos de 1 a 15) 
A Seção A foi construída com um centro tonal em ré menor, sendo sua cadência final em Dó Maior. Villa-Lobos trabalha a polifonia juntamente com a harmonia, utilizando-se dos blocos feminino e masculino para produzir, simultaneamente, este ambiente sonoro. Ele une 3 linhas melódicas para formar tais blocos: sopranos, mezzo sopranos e contraltos formam o bloco feminino, enquanto os tenores, barítonos e baixos formam o bloco masculino.
Cada um dos blocos é tratado internamente de forma homofônica, enquanto, ao interagirem entre si, o tratamento dado é polifônico. Um bloco responde a outro, como vozes respondem a outras, no tratamento polifônico estrito.
            A seção inicia-se com apresentação do tema pelo bloco masculino nos compassos 1 e 2. (Fig.3) O bloco feminino responde este tema tonalmente, ou seja, num intervalo de quarta justa acima do tema inicial, nos compassos 3 e 4. (Fig.3) Enquanto o bloco feminino reproduz o tema inicial, o bloco masculino inicia outra idéia, formando, pois, uma polifonia com o bloco feminino. Para que este efeito fosse bem perceptível,
Villa-Lobos utiliza-se do ritmo sincopado e do uníssono, para conseguir causar o efeito polifônico entre os blocos. (Fig.3)



Figura 3: Ave Maria, compassos 1-6.

Podemos também observar entre os compassos 5 e 6 (Fig.3), que Villa-Lobos utiliza no bloco masculino o pedal harmônico em bocca chiusa, sobre o acorde de Si Bemol Maior, enquanto o bloco feminino possui, em imitação, a frase musical apresentada pelo bloco masculino nos compassos 3 e 4.
Esse processo imitativo entre os blocos se mantém até o compasso 10. A partir do compasso 11, os blocos se encontram homofonicamente dobrando as vozes até o final da seção A no compasso 15, gerando um paralelismo rítmico. As tercinas do compasso 10, tão exploradas por Villa-Lobos em toda a sua vasta obra musical, não deixaram de aparecer também nesta obra, sugerindo aqui um impulso, ou, no mínimo, um ponto de partida para a condução homofônica das vozes até o fim desta seção. (Fig.4)  

Figura 4: Ave Maria, compassos 9-11.
Adiante das tercinas (compassos 11 a 14), o ritmo entre todas as vozes é o mesmo, unificando agora todas as linhas melódicas numa só textura homofônica, utilizando a mesma figuração rítmica. (Fig.5) Este novo tratamento dado à obra segue até o fim desta seção, no compasso 15, a qual é encerrada por um acorde de Dó Maior com 6ª acrescentada, acorde este muito utilizado por Villa-Lobos, principalmente no final de suas obras ou seções. 



Figura 5: Ritmo nos compassos de 11 a 14.
Um outro ponto a ser observado neste trecho, onde todas as vozes caminham homofonicamente, é o fato da linha melódica da voz mezzo soprano desenvolver-se desde o início da obra até o compasso 10 com uma nítida predominância de graus conjuntos, apresentando, então, saltos pequenos (Fig.6 e 7) a partir deste trecho homofônico (anacruse do compasso 11 até o compasso 14), obedecendo, agora, a necessidade harmônica para a composição das vozes. 


Figura 6: Saltos na linha melódica da voz mezzo soprano.



Figura 7: Saltos na linha melódica da voz mezzo soprano.
      
A Seção A é encerrada, então, no compasso 15 com o texto da oração “ventris tui Jesus”, final da saudação de Isabel à Maria. A súplica por intercessão da Mãe de Deus: “Santa Maria, Mãe de Deus, Rogai por nós, pecadores, Agora e na hora de nossa morte”, corresponde à segunda seção da obra de Villa-Lobos, a que chamamos de Seção B. 
SEÇÃO B (Compassos de 16 a 23) 

A Seção B tem um tratamento contrapontístico parecendo estar centrado no modo litúrgico ou eclesiástico, eólio em ré. O contraponto da Seção B, apresentado primeiramente pelo bloco masculino, sugere um contraponto de 5ª espécie. A melodia em uníssono reservada aos baixos e barítonos parece oferecer um perfil de Cantus Firmus (Fig.8) entre os compassos 16 e 18, enquanto os tenores destacam-se polifonicamente, utilizando-se do mesmo processo rítmico ocorrido na Seção A, ou seja, a síncopa. (Fig.9)  

Figura 8: Ave Maria, compassos 16-18, barítonos e baixos.



Figura 9: Ave Maria, compassos 15-17.


               A resposta desses três primeiros compassos da Seção B é executada pelo bloco feminino, num intervalo de 4ª justa, entre os compassos 18 e 21. Neste momento (compasso 19), o bloco masculino executa uma sequência harmônica, contrastando com a polifonia do bloco feminino. (Fig.10)


                                                   Figura 10: Ave Maria, compassos 18-20.

Essa idéia contrapontística com o uso dos modos eclesiásticos vigora até o início do compasso 21, quando o bloco feminino encerra a reexposição do cantus firmus. Então, as vozes parecem assumir um papel harmônico sobre o acorde de Dó menor com Sétima menor ainda no compasso 21. No compasso 22, a fórmula de compasso passa a ser 7/4, e as vozes compõe um acorde de dominante secundária, Si bemol Maior com Sétima menor, resolvendo no acorde seguinte de Fá menor. (Fig.11)


Figura 11: Ave Maria, compassos 21-23.

Do compasso 21 ao 23 (compassos finais da Seção B), há um caráter escalar na voz do soprano - escala de Fá menor pura - (Fig.12), acompanhada pela base harmônica das outras vozes que produzem os acordes de Fá menor e Dó menor, finalizando com uma cadência em Sib  Maior,  preparando a nova tonalidade da Coda. No compasso 22, poderemos observar que Villa-Lobos utiliza novamente as tercinas e retorna para 6/4 no compasso seguinte (compasso 23). 






Figura 12: Compassos 21, 22 e 23 – voz soprano.

CODA (Compassos de 24 a 30) 
Na Coda,Villa-Lobos altera a armadura de clave para si bemol menor, preparado no fim da Seção B, porém,  retornando, subitamente, ao tom inicial (ré menor) no último compasso da obra, ou seja, no compasso 30.

Não podemos deixar de observar a Coda, também por sua complexibilidade rítmica. Tema imitativo onde as vozes deixam de trabalhar em blocos e cada uma passa a ter vida própria, formando linhas melódicas em textura polifônica. (Fig.13)

Figura 13: Ave Maria, compassos 24 e 25.

Villa-Lobos utiliza um motivo simples para desenvolver esta CODA, que é apresentado no início de cada voz, a começar pelos tenores, seguidos das contraltos, mezzo sopranos e sopranos, respectivamente. Ele constrói todas as melodias desta seção preferencialmente em graus conjuntos. No naipe de tenores, este tratamento é mais evidente, pois sua melodia é composta praticamente apenas por graus conjuntos.  
Em alguns trechos da CODA, há uma subdivisão ternária do compasso, que é o caso, por exemplo, do compasso 27 (tenores e baixos). Em outros trechos, a subdivisão binária do compasso é a que prevalece, como, por exemplo, o compasso 28, além do compasso sincopado, onde o único exemplo ocorre no compasso 26, no naipe de tenores. (Fig.14)



Figura 14: Ave Maria, compassos 26 e 27.


Harmonicamente, todas as vozes caminham para a tônica dessa seção, ou seja, si bemol menor, a qual é alcançada num uníssono sobre a fundamental do acorde, no compasso 29; porém, Villa-Lobos usa a nota como passagem para concluir a obra no acorde de ré menor (compasso 30), tonalidade principal da obra. (Fig.15)
Figura 15: Ave Maria, compassos 28, 29 e 30.

Os “Amen” nas obras sacras de Villa-Lobos são sempre marcantes e possuem uma mesma linha de pensamento. Eles estão normalmente formalizados em Codas. É notório o seu desenvolvimento melódico onde predominam os graus conjuntos e pequenos saltos. Este tipo de tratamento melódico pode ser averiguado praticamente em todo o conjunto da obra sacra de Villa-Lobos. Vários outros aspectos podem também ser observados nos “Amen” das outras obras sacras de Villa-Lobos, como, o Panis Angelicus, o Cor Dulce, o Cor Amabile e as missas, em Vidapura e na Missa São Sebastião.

COMENTÁRIOS FINAIS
Esta obra parece ter sido escrita com um pensamento voltado para naipes orquestrais. As texturas polifônica e homofônica estão presentes na Ave Maria, sendo em muitos trechos tratadas simultaneamente onde a estrutura em blocos femininos e masculinos atuam como naipes orquestrais, contrastando um com o outro em ritmo, melodia, harmonia e contraponto. Também observaremos que aqui é utilizado o pedal harmônico, podendo constituir uma característica geral na obra sacra de Villa-Lobos.
A obra não apresenta muitas tensões harmônicas, pois Villa-Lobos as usa em quantidade reduzida. Alguns acordes com sexta acrescentada poderão ser identificados durante a obra. Villa-Lobos mantém-se no campo harmônico da tonalidade proposta para os diversos trechos da obra, sendo alguns poucos acordes de dominantes secundárias. 
Os “Amen” das obras sacras corais de Villa-Lobos são sempre marcantes no que diz respeito ao andamento, suas dimensões na comparação com as obras e condução melódica das vozes, bem como sua divisão rítmica. Além desta Ave Maria, este tratamento é observável, também, nos finais do Glória e do Credo da Missa Vidapura (1919) e da Missa São Sebastião (1937), e também nas obras Panis Angelicus (1950) e Cor Dulce, Cor Amabile (1952). Mercê da própria significação da palavra “Amen” (Assim seja) sempre utilizada como final de um pensamento ou principalmente uma oração, Villa-Lobos, a exemplos de inúmeros casos na História da Música, faz desse momento uma CODA.
Nos anos anteriores, Villa-Lobos escreveu para orquestra a Sinfonia nº 7 (1945) e a Sinfonieta nº 2 (1947), e só voltou a escrever para esta formação em 1949, no Cortejo Nupcial, a qual estreou em Paris no mesmo ano. No âmbito da música sacra, a última obra escrita por Villa-Lobos, antes desta Ave Maria, foi a Missa São Sebastião, em 1937. Parece que a enfermidade, que o acometeu em 1948, fez com que se voltasse para a religiosidade, pois é depois disto que ele torna a escrever para este gênero com maior frequência.
As obras sacras de Villa-Lobos para coro a cappella são de grande emoção e religiosidade, repletas de intenções que são expressas pelos caminhos melódicos e harmônicos do coro. O significado das palavras parece estar integrado aos signos musicais, com tanta competência e beleza, que nos faz pensar sobre a profundidade de suas obras religiosas. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


[1] VILLA-LOBOS, Heitor. Palestra proferida em João Pessoa, Paraíba, 1951. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1981, p. 107. (v. 12)
[2] SCHUBERT, Monsenhor Guilherme. A Música Sacra de Villa-Lobos. Jornal de Música. Rio de Janeiro: ano 10, n. 5, p. 6, 1987.
[3] TARASTI, Eero. Paradigmas do estudo sobre Villa-Lobos. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1981, p. 50. (v. 12) Publicado na revista MUSIIIKI, 1979.
[4] TALAMON, Gaston. La musica sacra. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 78. (v. 10)
[5] NÓBREGA, Adhemar Alves da. Villa-Lobos e Chopin. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1971, p. 12. (v. 6) Texto retirado de uma palestra pronunciada na Rádio MEC, em 1949, ao ensejo das comemorações do 1º centenário da morte de Chopin.
[6] TALAMON, 1977, p. 78.
[7] Redução de orquestra realizada pelo próprio compositor.
[8] TALAMON, Gaston. 1977, p. 78.

[9] GUANABARINO, Oscar. Pelo mundo das Artes. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 165-166. (v. 10)
[10] NÓBREGA, Adhemar Alves da. Atualidade da música de Villa-Lobos. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1969, p. 19. (v. 3) Palestra proferida em 10 de novembro de 1966.

[11] MINDINHA. Villa-Lobos, sua extrema-unção. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 157. (v. 10)
[12] Bíblia Sagrada. Petrópolis – RJ: Ed. Vozes Ltda. 49º ed., 2004, p. 1220.
[13] Ibid., p. 1221.
[14] TERRA, Pe. Martins S. J. Ave-Maria. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v.17, fasc.3, 1957, p. 624-625.
[15] IGAYARA, Susana Cecília. Henrique Oswald (1852-1931) – A missa de Réquiem no conjunto de sua música sacra coral. Dissertação de Mestrado apresentada à ECA-USP. Orientador: Prof. Dr. Mário Ficarelli. São Paulo, 2001, p. 153.