A MÚSICA SACRA EM VILLA-LOBOS: 
50 ANOS DE SAUDADE 
PROFª MS. SHEILA PREVIATO DE ALENCAR
Professora da Escola de Artes Maestro Fêgo Camargo - Taubaté/SP
RESUMO: O presente texto apresenta uma rápida trajetória da música sacra do compositor Heitor Villa-Lobos, enfocando uma obra em especial, a Ave Maria a 6 vozes, para coro a cappella, escrita em 1948. Apresenta uma breve contextualização sobre a obra e sua análise musical, buscando traços composicionais estilísticos, específicos de sua música sacra. 
PALAVRAS-CHAVE: Heitor Villa-Lobos; Música Sacra; Coral.
ABSTRACT: The present text presents a fast trajectory of sacred music of the composer Heitor Villa-Lobos, focusing a workmanship in special, the Ave Maria a 6 voices, for choir cappella, written in 1948. It presents one brief context on the workmanship and its musical analysis, searching style composition traces, specific of yours sacred music.
KEYWORDS: Heitor Villa-Lobos, Sacred Music, Chorale.
[A música] é uma terapêutica para a alma doente. A música é um consolo para o sofredor. A música é um embalo para o pequenino no colo de suas mães, seus pais. A música é a alegria daqueles que são alegres.
Heitor Villa-Lobos. [1]
Heitor Villa-Lobos, um dos maiores compositores do século XX, escreveu obras instrumentais e vocais, compondo desde duetos, trios ou quartetos, até sinfonias e óperas. No âmbito da música sacra, compôs diversas obras, como missas e motetos, para coro a cappella, coro e orquestra, e solo. Sua obra sacra, assim como todas as outras, “espelha as várias fases criativas, suas tendências estilísticas, suas técnicas variadas, sua tomada de posição nativista e nacionalista”. [2]
Em toda a trajetória artística de Heitor Villa-Lobos, muitos foram os autores que se preocuparam em classificar fases estilísticas em sua produção musical. Todas essas classificações refletem seu espírito inquieto, inovador, múltiplo, nacional, irreverente, maduro e tantos outros. Sua produção musical, desde as primeiras obras do início do século XX, reflete todas as faces de seu temperamento criador, suas idéias, sua sentimentalidade, técnica e religiosidade, seu panteísmo. Enfim, todos os aspectos frequentemente descritos de sua personalidade, sem abandoná-los no decorrer de sua caminhada artística. No entanto, grande é a dificuldade de classificar momentos precisos e distintos, já que esses parecem não existir na verdade como tal, “pois sua produção não apenas é quantitativamente gigantesca, mas também qualitativa e estilisticamente muito variável”. [3]
É sobejamente conhecido o conjunto das fontes musicais a que Villa-Lobos teve acesso durante sua vida. Da formação em casa, passando pelos grupos dos chorões, suas viagens ao interior do Brasil, seu contato com o grande repertório internacional, tudo, sempre, é descrito como seu conjunto de influências composicional, e facilmente verificável no contato direto com as obras.
Heitor Villa-Lobos, em toda a sua trajetória musical, sempre compôs música sacra. Isto pode ser comprovado se observarmos as datas de tais composições, que vão desde 1905, com O Salutaris, até o ano de 1958, onde encontramos duas de suas obras de maior fôlego: Bendita Sabedoria e Magnificat Aleluia. No início de sua carreira como compositor musical, prestava favores a um amigo sacerdote, arranjando melodias para coro, em troca de algum dinheiro. [4] A música sacra também esteve presente num dos piores momentos de sua vida, quando descobre que estava gravemente enfermo, em 1948, e compõe a Ave Maria a 6 vozes, antes da intervenção cirúrgica, no Memorial Hospital, em Nova York , nos Estados Unidos da América.
Contudo, o estilo composicional das obras sacras de Villa-Lobos, assim como muitas de suas composições, afrontou “os pudicos ouvidos de um público que até então nem havia aceitado Debussy, nem mesmo Wagner.” [5] Villa-Lobos soube combinar técnica e sentimentalidade em suas obras sacras. “A inata propensão ao misticismo da sua sensibilidade pôde desenvolver-se no plano religioso desde a juventude, paralelamente com o tom panteísta que vibra em suas obras inspiradas na paisagem do Brasil, sua constante inspiração.” [6]
Villa-Lobos compôs duas missas: a) Vidapura (1919), que ele chama de missa-oratório, mas, na verdade, possui todas as partes da missa. Possui duas versões: a primeira para solo, coro misto e orquestra e a segunda para coro misto a quatro vozes e órgão. [7]; b) Missa São Sebastião (1937), para coro a três vozes iguais, por muitos considerada a mais adequada aos padrões impostos pelas normas da música sacra. “Obra de maturidade [...], se impõe por sua interessante escrita contrapontística e pela nobreza da inspiração, que não alheia às modalidades ameríndias, sem uso direto de motivos do folclore.” [8]
A partir da década de 30, Villa-Lobos esteve envolvido com o projeto educacional do canto orfeônico nas escolas primárias e normais. Este projeto também previa a formação de um grupo de professores especializados em canto orfeônico, para ministrar as aulas desta disciplina nas escolas, além de promover concertos didáticos, nos quais puderam executar obras como: Missa Papae Marcelli (Giovanni Pierluigi da Palestrina), Missa Solemnis (Ludwig van Beethoven), Missa em Si menor (Johann Sebastian Bach) e Vidapura (Heitor Villa-Lobos), sempre visando à educação coletiva, para apreciação e amor à arte. Oscar Guanabarino elogiou Villa-Lobos neste período, dizendo ter-se “aconchegado aos grandes mestres clássicos, repudiados por ele, antigamente”. [9]
Em 1952 surge a Sinfonia nº 10, na qual Villa-Lobos utiliza os versos do poema De Beata Virgine, de Padre José de Anchieta. Esta sinfonia foi subintitulada de Sumé Pater Patrium. Nesta obra, Villa-Lobos utiliza-se não só da língua latina, mas também incorpora nesta obra as línguas tupi-guarani e portuguesa. Neste mesmo ano, Villa-Lobos também compõe um moteto, utilizando versos deste mesmo poema de José de Anchieta: o Praesepe (Presépio).
E, finalmente, em 1958, como mencionado anteriormente, duas grandes obras religiosas: a) Bendita Sabedoria, composta por seis corais para coro misto a seis vozes a cappella, sobre textos bíblicos dos Provérbios e um Salmo; b) Magnificat-Aleluia, que Villa-Lobos escreveu a pedido da Associação Italiana de Santa Cecília, para uma homenagem ao Papa Pio XII, por intermédio do Cardeal Giúlio Montini (Papa Paulo VI), composta para coro e órgão ou orquestra, solo e coro misto, contendo uma escrita “à maneira das grandes obras do barroco, no qual as vozes do coro se intercalam entre os versículos do Magnificat com as exclamações de Aleluia” [10]
Análise Musical 
      Analisando um de seus motetos, podemos averiguar alguns traços estilísticos em suas composições sacras. Escolhemos a Ave Maria a 6 vozes, composta em 1948. Este momento foi um dos mais difíceis em sua vida, quando ocorreu a primeira crise de saúde, constatando-se a gravidade de sua doença, a qual o levou à morte em 1959. A  composição desta Ave Maria, feita no Memorial Hospital, em Nova Iorque, foi motivo de preocupação a todos que estavam ali, apreensivos com a cirurgia que deveria ser realizada, como conta sua esposa Arminda Villa-Lobos, em um de seus depoimentos: “Segóvia, o grande artista e excelente amigo, visitando-o, abalou-se com o fato, porque o compositor mexicano Manuel Ponce, às vésperas de morrer, havia composto uma Ave Maria”. [11]
Heitor Villa-Lobos compôs muitas Ave-Marias para canto e coro desde sua juventude até sua idade madura. Esta Ave Maria a 6 vozes (SSATBB a cappella) foi composta em sua fase madura, a qual faz parte do volume “Música Sacra”, editado pela Irmãos Vitale em 1952. Também foi editada pela Cantus Quercus Press, no ano de 2000, em edição de Wilbur Skeels. Esta obra tornou-se muito conhecida devido ao contexto em que foi composta. 
A oração da Ave Maria é uma saudação à Virgem, que pode ser repetida muitas vezes ao dia pelos devotos da Igreja. É a mais familiar de todas as orações usadas pela Igreja Católica, mundialmente em honra à Nossa Senhora. Seu texto é composto por três partes distintas. São elas: 
1.          Saudação do anjo Gabriel dirigida à Maria, anunciando-lhe a sua concepção: “Alegra-te, cheia de graça. O Senhor está contigo!”. Encontraremos esta parte da oração na Bíblia, no evangelho de Lucas 1:28. [12]
2.          Saudação que Isabel fez à Maria, sua prima, quando esta vai visitá-la na casa de Zacarias: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”. Lucas 1:42. [13]
3.          Súplica ou prece adicionada posteriormente pela Igreja: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.” Foi estabelecida definitivamente pela Igreja em 1568, pelo Papa Pio V.  
O uso litúrgico da Ave-Maria, constando dessas duas saudações reunidas, é constatado no Oriente a partir do século quarto ou quinto, nas liturgias orientais, e, no Ocidente, desde o século sexto. Mas, segundo os documentos que possuímos até hoje, parece que essa oração só passou para o uso extralitúrgico, depois do século XI, quando começou a se difundir a devoção de utilizá-la como forma de oração pessoal. [14]
| Tradução para o português | |
|            Ave Maria, gratia plena:  Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus,Et benedictus fructus ventris tui, Jesus.  Sancta Maria, Mater Dei,Ora pro nobis peccatoribus,Nunc et in hora mortis nostrae.             Amen. | Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois Vós entre as mulheres, bendito é o fruto em Vosso ventre, Jesus. Santa Maria Mãe de Deus,rogai por nós os pecadores,agora e na hora da nossa morte. Amém. | 
A Ave-Maria é encontrada no Liber Antiphonarius de São Gregório, o Grande (morto em 604), como uma antífona para o Quarto Domingo do Advento. É também cantada nas festas da Anunciação (25 de março), e da Imaculada Conceição (8 de dezembro). Na festa da Anunciação, há registro de que seja cantada desde o século VIII como antífona de ofertório. A oração faz parte, ainda, das Vésperas da festa do Santíssimo Rosário e da Santa Virgem Maria, quando é cantada como terceira antífona, com o Salmo 121 (122), Leatatus sum. Durante o ano, é cantada em outras Missas  pela Virgem Maria. [15]
Esta Ave-Maria foi escrita para seis vozes: sopranos, mezzo sopranos, contraltos, tenores, barítonos e baixos, sendo suas tessituras: 
Foi estruturada em duas grandes seções com uma coda final, sendo, pois, sua Forma Binária (AB) com a Coda (Amen) nos últimos sete compassos. Para melhor visualização, podemos traçar um gráfico das seções desta obra da seguinte maneira:
Figura 2: Esquema Formal.
a.           Seção A: Adagio - compassos de 1 a 15 (total de 15 compassos) ;
b.          Seção B: Più mosso - compassos de 16 a  23 (total de 8 compassos); 
c.           Coda: Animato - compassos de 24 a  30 (total de 7 compassos). 
Uma característica da obra é sua divisão em blocos: bloco de vozes femininas (soprano, mezzo soprano, contralto) e bloco de vozes masculinas (tenor, barítono, baixo). Esses blocos estão presentes nas seções A e B, sendo distintos o ritmo e o tratamento harmônico entre eles. A construção de tais blocos parece buscar um pensamento de naipe orquestral: um resultado ao mesmo tempo estrutural, timbrístico e textual, como uma orquestração costuma buscar.
O contraste entre as texturas homofônica e polifônica é claro em toda a obra, além de construir um ambiente timbrístico variado, produzindo efeitos sonoros significativos ao misturar blocos harmônicos a frases construídas em estilo imitativo.
Podemos observar, em toda a obra, certa densidade rítmica, definida horizontalmente pelas necessidades de mudanças de compasso e, verticalmente, pelas mudanças rítmicas que garantem a percepção da polifonia, especialmente se considerarmos que se trata de uma composição coral sacra. De fato, o que há é um aumento progressivo da densidade verticalmente pensada durante o decorrer da obra, especialmente. 
SEÇÃO A (Compassos de 1 a  15) 
A Seção A foi construída com um centro tonal em ré menor, sendo sua cadência final em Dó Maior. Villa-Lobos  trabalha a polifonia juntamente com a harmonia, utilizando-se dos blocos feminino e masculino para produzir, simultaneamente, este ambiente sonoro. Ele une 3 linhas melódicas para formar tais blocos: sopranos, mezzo sopranos e contraltos formam o bloco feminino, enquanto os tenores, barítonos e baixos formam o bloco masculino. 
Cada um dos blocos é tratado internamente de forma homofônica, enquanto, ao interagirem entre si, o tratamento dado é polifônico. Um bloco responde a outro, como vozes respondem a outras, no tratamento polifônico estrito.
            A seção inicia-se com apresentação do tema pelo bloco masculino nos compassos 1 e 2. (Fig.3) O bloco feminino responde este tema tonalmente, ou seja, num intervalo de quarta justa acima do tema inicial, nos compassos 3 e 4. (Fig.3) Enquanto o bloco feminino reproduz o tema inicial, o bloco masculino inicia outra idéia, formando, pois, uma polifonia com o bloco feminino. Para que este efeito fosse bem perceptível, 
Villa-Lobos utiliza-se do ritmo sincopado e do uníssono, para conseguir causar o efeito polifônico entre os blocos. (Fig.3)
Villa-Lobos utiliza-se do ritmo sincopado e do uníssono, para conseguir causar o efeito polifônico entre os blocos. (Fig.3)
Podemos também observar entre os compassos 5 e 6 (Fig.3), que Villa-Lobos utiliza no bloco masculino o pedal harmônico em bocca chiusa, sobre o acorde de Si Bemol Maior, enquanto o bloco feminino possui, em imitação, a frase musical apresentada pelo bloco masculino nos compassos 3 e 4.
Esse processo imitativo entre os blocos se mantém até o compasso 10. A  partir do compasso 11, os blocos se encontram homofonicamente dobrando as vozes até o final da seção A no compasso 15, gerando um paralelismo rítmico. As tercinas do compasso 10, tão exploradas por Villa-Lobos em toda a sua vasta obra musical, não deixaram de aparecer também nesta obra, sugerindo aqui um impulso, ou, no mínimo, um ponto de partida para a condução homofônica das vozes até o fim desta seção. (Fig.4)  

Figura 4: Ave Maria, compassos 9-11.
Adiante das tercinas (compassos 11 a  14), o ritmo entre todas as vozes é o mesmo, unificando agora todas as linhas melódicas numa só textura homofônica, utilizando a mesma figuração rítmica. (Fig.5) Este novo tratamento dado à obra segue até o fim desta seção, no compasso 15, a  qual é encerrada por um acorde de Dó Maior com 6ª acrescentada, acorde este muito utilizado por Villa-Lobos, principalmente no final de suas obras ou seções. 
Um outro ponto a ser observado neste trecho, onde todas as vozes caminham homofonicamente, é o fato da linha melódica da voz mezzo soprano desenvolver-se desde o início da obra até o compasso 10 com uma nítida predominância de graus conjuntos, apresentando, então, saltos pequenos (Fig.6 e 7) a partir deste trecho homofônico (anacruse do compasso 11 até o compasso 14), obedecendo, agora, a necessidade harmônica para a composição das vozes. 
A Seção A é encerrada, então, no compasso 15 com o texto da oração “ventris tui Jesus”, final da saudação de Isabel à Maria. A súplica por intercessão da Mãe de Deus: “Santa Maria, Mãe de Deus, Rogai por nós, pecadores, Agora e na hora de nossa morte”, corresponde à segunda seção da obra de Villa-Lobos, a que chamamos de Seção B. 
SEÇÃO B (Compassos de 16 a  23) 
A Seção B tem um tratamento contrapontístico parecendo estar centrado no modo litúrgico ou eclesiástico, eólio
A resposta desses três primeiros compassos da Seção B é executada pelo bloco feminino, num intervalo de 4ª justa, entre os compassos 18 e 21. Neste momento (compasso 19), o bloco masculino executa uma sequência harmônica, contrastando com a polifonia do bloco feminino. (Fig.10)
Figura 10: Ave Maria, compassos 18-20.
Essa idéia contrapontística com o uso dos modos eclesiásticos vigora até o início do compasso 21, quando o bloco feminino encerra a reexposição do cantus firmus. Então, as vozes parecem assumir um papel harmônico sobre o acorde de Dó menor com Sétima menor ainda no compasso 21. No compasso
Do compasso 21 ao 23 (compassos finais da Seção B), há um caráter escalar na voz do soprano - escala de Fá menor pura - (Fig.12), acompanhada pela base harmônica das outras vozes que produzem os acordes de Fá menor e Dó menor, finalizando com uma cadência
CODA (Compassos de
Na Coda,Villa-Lobos altera a armadura de clave para si bemol menor, preparado no fim da Seção B, porém,  retornando, subitamente, ao tom inicial (ré menor) no último compasso da obra, ou seja, no compasso 30.
Não podemos deixar de observar a Coda, também por sua complexibilidade rítmica. Tema imitativo onde as vozes deixam de trabalhar em blocos e cada uma passa a ter vida própria, formando linhas melódicas em textura polifônica. (Fig.13)
Villa-Lobos utiliza um motivo simples para desenvolver esta CODA, que é apresentado no início de cada voz, a começar pelos tenores, seguidos das contraltos, mezzo sopranos e sopranos, respectivamente. Ele constrói todas as melodias desta seção preferencialmente em graus conjuntos. No naipe de tenores, este tratamento é mais evidente, pois sua melodia é composta praticamente apenas por graus conjuntos.  
Em alguns trechos da CODA, há uma subdivisão ternária do compasso, que é o caso, por exemplo, do compasso 27 (tenores e baixos). Em outros trechos, a subdivisão binária do compasso é a que prevalece, como, por exemplo, o compasso 28, além do compasso sincopado, onde o único exemplo ocorre no compasso 26, no naipe de tenores. (Fig.14)
Harmonicamente, todas as vozes caminham para a tônica dessa seção, ou seja, si bemol menor, a qual é alcançada num uníssono sobre a fundamental do acorde, no compasso 29; porém, Villa-Lobos usa a nota Dó como passagem para concluir a obra no acorde de ré menor (compasso 30), tonalidade principal da obra. (Fig.15)
Os “Amen” nas obras sacras de Villa-Lobos são sempre marcantes e possuem uma mesma linha de pensamento. Eles estão normalmente formalizados em Codas. É notório o seu desenvolvimento melódico onde predominam os graus conjuntos e pequenos saltos. Este tipo de tratamento melódico pode ser averiguado praticamente em todo o conjunto da obra sacra de Villa-Lobos. Vários outros aspectos podem também ser observados nos “Amen” das outras obras sacras de Villa-Lobos, como, o Panis Angelicus, o Cor Dulce, o Cor Amabile e as missas, em Vidapura e na Missa São Sebastião.
COMENTÁRIOS FINAIS
Esta obra parece ter sido escrita com um pensamento voltado para naipes orquestrais. As texturas polifônica e homofônica estão presentes na Ave Maria, sendo em muitos trechos tratadas simultaneamente onde a estrutura em blocos femininos e masculinos atuam como naipes orquestrais, contrastando um com o outro em ritmo, melodia, harmonia e contraponto. Também observaremos que aqui é utilizado o pedal harmônico, podendo constituir uma característica geral na obra sacra de Villa-Lobos.
A obra não apresenta muitas tensões harmônicas, pois Villa-Lobos as usa em quantidade reduzida. Alguns acordes com sexta acrescentada poderão ser identificados durante a obra. Villa-Lobos mantém-se no campo harmônico da tonalidade proposta para os diversos trechos da obra, sendo alguns poucos acordes de dominantes secundárias. 
Os “Amen” das obras sacras corais de Villa-Lobos são sempre marcantes no que diz respeito ao andamento, suas dimensões na comparação com as obras e condução melódica das vozes, bem como sua divisão rítmica. Além desta Ave Maria, este tratamento é observável, também, nos finais do Glória e do Credo da Missa Vidapura (1919) e da Missa São Sebastião (1937), e também nas obras Panis Angelicus (1950) e Cor Dulce, Cor Amabile (1952). Mercê da própria significação da palavra “Amen” (Assim seja) sempre utilizada como final de um pensamento ou principalmente uma oração, Villa-Lobos, a exemplos de inúmeros casos na História da Música, faz desse momento uma CODA.
Nos anos anteriores, Villa-Lobos escreveu para orquestra a Sinfonia nº 7 (1945) e a Sinfonieta nº 2 (1947), e só voltou a escrever para esta formação em 1949, no Cortejo Nupcial, a qual estreou em Paris no mesmo ano. No âmbito da música sacra, a última obra escrita por Villa-Lobos, antes desta Ave Maria, foi a Missa São Sebastião, em 1937. Parece que a enfermidade, que o acometeu em 1948, fez com que se voltasse para a religiosidade, pois é depois disto que ele torna a escrever para este gênero com maior frequência.
As obras sacras de Villa-Lobos para coro a cappella são de grande emoção e religiosidade, repletas de intenções que são expressas pelos caminhos melódicos e harmônicos do coro. O significado das palavras parece estar integrado aos signos musicais, com tanta competência e beleza, que nos faz pensar sobre a profundidade de suas obras religiosas. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] VILLA-LOBOS, Heitor. Palestra proferida em João Pessoa , Paraíba, 1951. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1981, p. 107. (v. 12)
[2] SCHUBERT, Monsenhor Guilherme. A Música Sacra de Villa-Lobos. Jornal de Música. Rio de Janeiro: ano 10, n. 5, p. 6, 1987.
[3] TARASTI, Eero. Paradigmas do estudo sobre Villa-Lobos. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1981, p. 50. (v. 12) Publicado na revista MUSIIIKI, 1979.
[4] TALAMON, Gaston. La musica sacra. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 78. (v. 10)
[5] NÓBREGA, Adhemar Alves da. Villa-Lobos e Chopin. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1971, p. 12. (v. 6) Texto retirado de uma palestra pronunciada na Rádio MEC, em 1949, ao ensejo das comemorações do 1º centenário da morte de Chopin.
[6] TALAMON, 1977, p. 78.
[7] Redução de orquestra realizada pelo próprio compositor.
[8] TALAMON, Gaston. 1977, p. 78.
[9] GUANABARINO, Oscar. Pelo mundo das Artes. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 165-166. (v. 10)
[10] NÓBREGA, Adhemar Alves da. Atualidade da música de Villa-Lobos. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1969, p. 19. (v. 3) Palestra proferida em 10 de novembro de 1966.
[11] MINDINHA. Villa-Lobos, sua extrema-unção. In: Presença de Villa-Lobos. Rio de Janeiro: MEC/ Museu Villa-Lobos, 1977, p. 157. (v. 10)
[12] Bíblia Sagrada. Petrópolis – RJ: Ed. Vozes Ltda. 49º ed., 2004, p. 1220.
[13] Ibid., p. 1221.
[14] TERRA, Pe. Martins S. J. Ave-Maria. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v.17, fasc.3, 1957, p. 624-625.
[15] IGAYARA, Susana Cecília. Henrique Oswald (1852-1931) – A missa de Réquiem no conjunto de sua música sacra coral. Dissertação de Mestrado apresentada à ECA-USP. Orientador: Prof. Dr. Mário Ficarelli. São Paulo, 2001, p. 153.















 
Muito interessante essa sua análise, Sheila. Você estaria interessada em participar do grupo que coordeno sobre Villa-Lobos?
ResponderExcluirAbraço (e bom 2015!), Paulo de Tarso Salles